quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Falagindo"

TANIA MONTANDON
Definitivamente tem gente que faz a diferença.
Eis aqui alguém que representa muitos pela bravura.
"Filosofia na Psiquiatria - "falagindo" Creio que falta uma maior e melhor intercomunicação entre a Psiquiatria e a Filosofia a fim de ajudar a lidar com o que a Psiquiatria nomeia "incompreensível", como delírios, alucinações, comportamentos e atitudes considerados do âmbito da desrazão e, por vezes, tidos como imotivados. Como se surgissem do nada. A problemática é psiquiátrica, não filosófica. A idéia seria aproveitar o rico instrumento da Filosofia no estudo de casos psiquiátricos. "Meu coração é um almirante loucoQue abandonou a profissão do mare que a vai relembrando pouco a poucoem casa a passear, a passear"(Fernando Pessoa) Meu coração é um barcoa se deixar levar pelas ondas do amarnão bate nas vagas intermitentesapanha, capota, quebra e cai por terra, ou pela areia.(eu) "Para mim mesmo sou anônimo; o mais fundo de meus pensamentos não entende minhas palavras: só sabemos de nós mesmos com muita confusão."(Tutaméia, Guimarães Rosa) Insight: FALATO(neologismo da Drº. Margarete), Dr. Samir, remédios, terapia, sabotagens, droga, comunicação O Dr.Samir estava sempre tentando me forçar a aceitar a medicação e acreditava que quando cedesse minha resistência eu melhoraria e a medicação me faria bem. Tentei pensar assim mas a medicação sempre me fez mais mal que bem e meu organismo foi ficando rebelde, reativo e até fóbico à medicação. O Dr. Samir estava comigo quando comecei e quando decidi parar com o crack. Foi uma experiência extremamente dramática pra mim, pra ele e pra quem estivesse perto. Eu já tinha feito Psicologia, estágio com drogados e conhecia todos os males e riscos teoricamente e de perto através do drama de outras pessoas antes de eu mesma usar. Não usei por ignorância e foi quase impossível entender e aceitar que eu tinha escolhido aquele caminho com a minha história e vivências. Eu mesma não sabia. Agora, pensando em "falagir", o que eu queria dizer com essa escolha tão consciente e burra? Com certeza foi uma tentativa de cura desesperada, enquanto eu e todos tentavam fazer meu organismo aceitar uma medicação que supostamente me ajudaria. Eu quis muito que todos estivessem certos e que fosse só minha resistência o problema. Parece que a experiência com o crack serviu pra mostrar que tinha como eu ficar pior, mas que não esperassem muito em relação a melhoras. Foi muito dramaticamente que o Dr.Samir e eu fomos aceitando e entendendo isso. Ainda bem que ele é mais perspicaz e sempre entende antes de mim, ou ele também não teria aguentado acompanhar alguém com uma tendência tão grande à auto-sabotagem. Só consegui parar com o crack quando me entreguei por inteira e pedi pra ele não me deixar sair do hospital por pelo menos um mês porque eu sabia que minha mente tentaria tudo para enganar a mim, a ele, a meus pais e eu acabaria usando de novo. Óbvio que não foi fácil para ele nem pra ninguém. Com a abstinência do crack, arrumei muita encrenca e confusão no hospital. Eu não conseguiria parar se não tivesse implorado pra passar a tortura da abstinência no hospital. Foi cansativo pra todos! Supondo que eu estivesse no lugar do médico e o único recurso de que dispusesse fosse a medicação pra ajudar pessoas a sofrer menos ou conviver com o sofrimento, imagino que deve ser muito frustrante perceber que a ajuda que se pode dar é muito pequena e aceitar uma resposta apenas parcial e pequena ao tratamento e pior ainda perceber que conviver com essa pouca expectativa é toda ajuda possível. Por que senti necessidade de escrever isso? Acho que porque quem não esteve no caminho que eu e o Dr.Samir percorremos dificilmente compreenderá. Parece que é cômodo não esperar mais de um tratamento pra quem está de fora e não passou por onde passamos. Aceitar e entender é mais difícil do que parece. Pena que Freud só teve uma vida e só chegou aí no final. Cheguei à mesma conclusão: é muito ALËM do princípio de prazer. É o gozo mórbido do massacre da pulsão de vida pela pulsão de morte nos casos mais incompreensíveis de desiguilíbrio das pulsões. Como disse Freud, talvez desejemos a morte e toda ela fosse como um suicídio disfarçado. É extremamente difícil aceitar que a força de vida e preservação da vida que está dentro de nós possa ser muitas vezes menor que a força destrutiva e a atração para a total inércia do nirvana, da morte, da cessação de todo movimento orgânico. O que me atraiu na idéia da esquizoanálise foi a possibilidade de olhar para esses fenômenos de outros anglos e a abertura para descobertas e invenções desviantes, caminho obscuro e amplo para o qual nenhum psicanalista depois de Freud ousou focar (talvez Winnicott e outros pouquíssimos). Para mim, Psicanálise e Esquizoanálise são complementares, não duas teorias ou fonte de teorias. Como se a esquizoanálise tivesse aberto uma porta lateral, "letral", ou várias pra escapar ao tedioso e repetitivo círculo que os outros estudantes da psicanálise caíram. -- Tania Montandon--

Um comentário:

  1. Gosto quando questiona as teorias chamando-nos para os complementos e outros olhares. Estamos em outros tempos, inseridos em outros saberes, mais evolutivos e nem tão evoluídos. Precisamos conhecer de perto, ouvir, entender, discutir e em conjunto achar formas para vivermos melhor, em harmonia uns com os outros. As diferenças não podem ser tratadas com olhar de exclusão, precisa ser melhor compreendida e aceita dentro de um cotidiano. Parabéns pelo texto!

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