sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Contemplando a vida! “Eu me lembro da primeiras e segundas guerras mundiais, a primeira apenas de ouvir falar, já a segundo está vívida em minhas lembranças. Era manhã em uma época em que as manhãs eram início de trabalho árduo nas lavouras, mas o que chamava-nos atenção eram os aviões, suas fumaças. Apesar de se tratar de um momento muito frio na história humana, ficávamos a admirar nas manhãs a presença daquela bela esquadrilha da fumaça. Trabalhávamos o dia inteiro e no final, o velho e bom rádio, único naquele lugar noticiava mais mortes. Estávamos longe das cidades sangrentas, nossa pressa era de plantar e colher para alimentar quem nada tinha pra comer. Os médicos de outros países não davam conta dos ferimentos e recrutavam os nossos para cuidar de nossos outros irmãos. Aliás, nossos meninos, tão jovens estavam à frente de uma batalha que nem se quer tínhamos travado, alguns jamais voltaram, outros voltaram sem coração e alguns sem alma. Os heróis de guerra, os pracinhas receberam homenagens e em nome de todos que estiveram frente a frente com a morte e por nada. A miséria tomou conta das grandes cidades, ricos e pobres dividiram as mesmas preces, mas não os mesmos jantares. O trabalho ficou de lado, sem renda os homens ficaram desolados, principalmente por ver seus filhos com fome. As mulheres passaram a manusear sobras, sopões eram distribuídos no meio das ruas, o pão era repartido e apesar de tudo isso, uma lição de solidariedade foi imposta as pessoas. Eu vivenciei as piores crises, mas também me fortifiquei dando valor ao meu árduo trabalho na lavoura, pois mesmo vivendo na simplicidade, ainda tive dias felizes com a família, afinal ninguém fora atingido fortemente por nenhuma delas. Eu não sou letrado, aprendi a ler quando fiquei um tempo morando na cidade, entregando jornais passei a ler as figuras, das figuras somei as letras e na soma das letras as palavras, frases e assim por diante. Na verdade pensava ser mais difícil, mas quando se tem amigos, principalmente jornalistas a gente também tem oportunidades e agarrá-las nos ajuda a melhorar sempre. Vim conhecer cinema depois de muita curiosidade, Oscarito e Grande Otelo, na época os filmes brasileiros eram muito assistidos, aliás, havia uma preferência por atores brasileiros, não havia tradução dos filmes estrangeiros e as legendas eram péssimas. Já as canções eram muito românticas e combinavam com nossos trajes sempre elegantes, ternos e chapeis, que charme. A primeira vez que assisti Charles Chaplin fiquei embasbacado, como era que aquele homem conseguia sem falar uma só palavra poderia transmitir tanta coisa importante. Poucas vezes pude ir ao cinema, mas as vezes que fui eu me encantei. Voltei pro roçado e lá ficava sonhando, a cidade nos causa essa impressão de grandiosidade, o rádio, meu fiel companheiro me trazia as novelas e minha amada esposa parava alguns instantes dos seus afazeres para apreciá-las. As vozes, as tramas, as lágrimas, histórias iguais as nossas e que tinham sempre finais felizes. As músicas de fundo eram belíssimas canções que nos embalavam a sonhar. O ainda menino Roberto Carlos e o já maduro Nelson Gonçalves eram as nossas bênçãos. A menina dos nossos corações era Dalva de Oliveira, a estrela maior. As musas brasileiras tinham vozes espetaculares e o rádio era uma benção em nossos dias. Nossos filhos não se adaptaram ao campo e foram morar na cidade grande, quiseram nos levar, mas coração de campineiro não abandona seu lar. Eu e minha amada, já cansados ficamos inicialmente numa situação calamitosa, pouco trabalho, sem dinheiro e o tempo só pra lembrar. Deus é grande e para todo homem de boa fé Ele concede nova chance e as coisas se ajeitaram. Os meninos cresceram, fizeram suas famílias, os netos nos visitam eventualmente, mas nunca saberão o sabor do campo, da simplicidade e da paz. Quisera eu poder ensiná-los, mas a vida na cidade a luta é diária, engraçado fazerem sacrifício para comprar na venda aquilo que plantamos aqui. A vida se tornou esquisita, quando vem aqui ficam escandalizados ao tirarem o leite da vaca e nos ver capinar, não conseguem se quer apanhar uma pêra no pé e nem rançar uma hortaliça do chão. Creio que o homem da cidade não tem muita vontade, acham que são sábios por poder comprar seu pão de cada dia, mas eu ainda acredito que sábio mesmo é quem planta, colhe e sabe fazer o seu próprio pão, o resto é pura ilusão, porém, somos considerados uns coitados e nos nosso quase cem anos de idade, ainda há estrelas no nosso céu, água no nosso chão, terra para se plantar e o café bem quentinho, cheiroso, o bolo de fubá, a manteiga, o leite puro para se tomar. Confesso que a ilusão da cidade me encantou, mas na minha idade creio que o campo ainda é meu lugar, meu porto seguro. Amo meus filhos e netos. Eu tenho amigos, uma carroça, um burro e muita vontade de viver. Agora tenho também você, desconhecido, que com ajuda dessa pessoa que escreve meus pensamentos, pôde me conhecer. Qualquer dia apareça, terei um enorme prazer em recebê-lo, na simplicidade, mas com muito carinho”. **Vovô Neco**

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