segunda-feira, 31 de agosto de 2009

POBREZA

Nossa noção de mundo é pura filosofia. A gente compra um espaço e se fixa nele. A gente vive dentro de um quadrado delimitado e ainda achamos que somos livres.
Certa vez conversando com um "mendigo" ele me falou algo muito interessante. Quem vive nas ruas tem espaço livre, não tem delimitações, nem regras "abstratas", qualquer pedaço serve de morada, visto que, a terra nunca nos pertenceu, ela deveria ser livre para o ir e vir de todos nós.
O homem foi feito para criar, mas não para trabalhar da maneira que trabalhamos, por metas de crescimento imaginário, quando a gente morre não levamos em bens material absolutamente nada. O homem que vive nas ruas não tem esse propósito, de deixar legados, ele sabe que deixará sem pensar nisso, ele estando vivo lhe basta.
A grande questão para os "sábios" das ruas é o outro que o remete a um coitado e ele de tanto ser identificado, ter uma identidade taxada dessa forma, passa a se sentir assim. As danificações de seu corpo é igual as danificações de sua alma, diferente de outros, o homem das ruas se mostra como se apresenta, sem culpa, sem medo. Quem nunca sentou e conversou com um homem das ruas, nunca saberá quem eles são de fato, mas quem já fez isso, de certo se surpreendeu ao ouvir suas duras e terna histórias de vida. A maioria fora abandonado, muitos são estudados e tiveram grandes profissões, mas por algum motivo muito forte abandonou tudo para que sua alma se libertasse daquela insuportável tragetória de vida.
Eu conheci um homem das ruas que me encantou e mexeu comigo. Alguém muito vivo aqui dentro de mim, um poeta, um encantador, um perdido e um achado.
Cirilo Sentei num banco de praça para descansar da longa caminhada, mas meus olhos sempre atentos vislumbraram-se ao ver uma cena, única e maravilhosa! ...um mendigo ajoelhado diante de uma folhagem sussurrava lindas palavras de amor. Dizia ele: “-Diante de ti posso entender como o meu coração funciona... A minha mente não é mais a mesma; os meus amigos são imaginários; vivo para falar e sem ninguém para me escutar... Você, minha flor, não reclama do meu falar, não recua quando me aproximo, nem se importa com o meu odor, nem com as minhas vestes, muito menos com a minha aparência física... Você, minha flor é o meu maior desejo de amor, por isso lhe dedico algumas horas de meus dias... Eu sinto que você também sofre, mas ao contrário de mim, não pode falar, talvez não possa ver e nem ouvir, mas sei que sente o meu tocar. Aparentemente você me quer e eu, somente eu, posso lhe entender... Virei aqui todos os dias, porque sei que em algum momento ficarei diante de ti para ver-te se transformar”.Um beijo foi dado na folhagem e com tamanha ternura que realmente me fez pensar que “muitas vezes a loucura de uma mente pode ser a sanidade de um coração”. Na história pessoal de Cirilo há uma grande transformação. Um homem que saiu da região nordeste do país para tentar a vida na cidade de São Paulo. No nordeste, ele e sua família já formada passavam dias sem comer. Cirilo imaginava através das conversas exageradas daqueles que vieram certa vez para São Paulo, que nessa cidade haveria abundância de emprego, moradia, etc. Chegando a São Paulo, ficou paralisado na estação rodoviária do Tietê, só um endereço em mãos de um ex-vizinho que havia se instalado na cidade há anos. Ainda na rodoviária, sem nenhuma noção de tamanho da cidade, saiu perguntando sobre uma rua e um número de casa. Os taxistas o avisaram que era quase impossível achar aquele lugar. A tristeza e o desespero inicial era igual à de qualquer imigrante. Um homem generoso, segurança da rodoviária lhe orientou a ficar na rodoviária e procurar a assistência que haviam criado para essas situações. Com a ajuda desse serviço, Cirilo encontrou o bairro e foi orientado a chegar lá. Depois de muitas horas dentro de um ônibus, Cirilo chegou ao lugar, mas ninguém conhecia seu amigo. Sentiu-se abandonado, ultrajado e perdido. Dormiu a primeira noite na porta de uma padaria. De manhã, Cirilo conversou com o dono da padaria que era português, mas esse não foi muito gentil, lhe disse para tomar o rumo de volta à sua terra, que São Paulo já não suportava mais tanto nordestino. O fato é que Cirilo foi parar numa praça e nessa havia muitas pessoas na mesmo condição; moradores de rua que percorreram os mesmos caminhos e que acabaram na mesma situação, sem lar. Cirilo não tinha profissão, não tinha dinheiro, não tinha estudo, não tinha amigos e nem parentes. Ele não poderia voltar, não só pelo fato de não ter dinheiro, mas de não ter conseguido algo melhor para sua família. Cirilo fez alguns “bicos”, mas sua tristeza o levou a beber, depois de algum tempo, a bebida fazia mais sentido do que a comida. Quando bebia Cirilo era dotado de energia, filosofava, recitava poemas, cantava lindamente. Um dia Tonho, um rapaz na mesma situação conseguiu um emprego na construção civil, juntou algum dinheiro e comprou uma passagem de volta para sua casa no nordeste. Ele conhecia a pessoa do Cirilo, sabia que aquele homem fora transformado, mas tinha que deixa-lo ali, não dava para ajudá-lo naquele momento. Tonho foi embora e nem se despediu, não teve coragem. Cirilo já não se reconhecia mais, não sabia a onde estava, falava e ouvia coisas fora do normal. Cirilo tinha algo de especial, não fazia mal para ninguém, só para si mesmo. Cirilo ajudou muita gente que nunca o ajudaram. Talvez um dia Tonho volte pra buscá-lo, pois foi o único capacitado a enxergar o verdadeiro Cirilo. Cirilo está doente, já foi internado, prefere às ruas ao invés de um abrigo. Ele nunca roubou uma moeda, nunca bateu em ninguém. Talvez esteja por aí para servir de exemplo, quem pode saber qual a função de Cirilo?Ele é tão importante quanto qualquer um de nós! Ele não aceita ajuda de ninguém! O que fazer a não ser respeitá-lo!Ele nem sabe que eu existo, ele não se lembra das pessoas, mas eu sei que ele existe! Esse homem me toca profundamente! Salve o Cirilo!O maior poeta de rua que eu conheço!
E assim, pensar que a pobreza é questão de dinheiro está completamente fora da realidade humana...

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